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terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Histórias da Serra I

Por mais que na batalha se vença um ou mais inimigos, a vitória sobre si mesmo é a maior de todas as vitórias
( Buda)
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Nascera numa família humilde,  numa aldeia escondida na encosta duma remota montanha da serra do Açor. Nessa época, o princípio de vida das famílias serranas era duro, pois os sustento provinha da agrícultura e a riqueza das pessoas dependia dos terrenos que possuíam.
Com poucos anos de casado, o pai seguira as pegadas dos irmãos e partira para Lisboa. Tinha como intenção,   arranjar um emprego onde pudesse ganhar dinheiro  e, com ele, adquirir mais terrenos para  melhorar as condições de vida da sua família. A  mãe,  como a maior parte das mulheres da sua aldeia,  ficara para cultivar as fazendas  e  criar os filhos ainda pequenos.
Aquele rapazinho era pouco mais que uma criança  mas sendo ele o mais velho de três irmãos, passou a ser o braço direito da sua mãe,  fazendo todo o tipo de  trabalhos agrícolas, guardando  rebanhos e até mesmo a ajudando a criar o irmão mais novo, mudando-lhe e  lavando-lhe os panos que serviam de fraldas.
Quando abriu a Escola Primária, na povoação mais próxima, iniciou o seu curto período escolar, tendo que percorrer a pé, um difícil caminho, subindo e descendo os montes, durante   mais ou menos uma hora.
No entanto, antes de pegar no saco da bucha e na sacola dos livros, ainda  tinha que roçar um molho de mato e pô-lo nos currais das cabras e das ovelhas.
Muitas vezes, calcorreava outeiros e valeiros cobertos por um extenso manto de neve. Temia o aparecimento dos lobos pois,   nas noites longas de Inverno passadas ao redor da lareira, contavam-se histórias mirambolantes  que, naqueles momentos, lhe passavam pela cabeça e o faziam  arrepiar. Então, lembrava as palavras do avô que, para que ele não se assustasse, contava que um certo homem, ao ser atacado por um lobo, enfiara-lhe o braço na boca  e o virara do avesso. Assim, ele imaginava-se a fazer o mesmo e acreditando naquelas histórias, fazia-se de valentão.



 ( Foto: Ana Teresa)

Com tudo isto, quase todos os dias chegava atrasado,  provocando a irritação  da professora que, muitas vezes, o  punha de castigo.
Em dada altura, a escola recebeu um grande número de alunos e não colocaram mais nenhuma professora. Como ele  sabia ler, escrever, fazer contas e  pertencia ao grupo dos mais velhos, teve que dar o  lugar a outras crianças, passando a trabalhar no campo de sol a sol.
Cedo se tornou rebelde e inconformado. Revoltado com o seu destino, foi crescendo sonhando com o dia em que se pudesse libertar daquela vida que o oprimia cada vez mais. Pedia à vida um futuro melhor. E quem o podia condenar?
Um dia, ao ver partir para as Minas da Panasqueira, um grupo de homens da aldeia que ali trabalhavam, e que só vinham a casa ao fim de semana, pensou que o seu futuro podia começar por ali.
Como a mãe não concordasse com a ideia, pois ele era  muito novo e a sua ajuda era preciosa, um  dia agarrou num capucho e num bocado de broa e fugiu.
Para chegar às minas, havia um longo percurso a percorrer e ele não o conhecia. Fez uma paragem numa aldeia próxima  e foi pedir informações a um homem que, para seu azar , conhecia bem o avô. Quando reconheceu  o rapaz, convenceu-o a pernoitar em sua casa , prometendo-lhe mesmo  um emprego, evitando assim que ele fosse  mais longe. Inocente aceitou e, após comer alguma coisa, foi-se deitar. Entretanto, o homem  mandou o filho contar o que se passava  à mãe daquele rapaz. Esta que já andava aflita , sem saber do filho, dirigiu-se acompanhada pelo seu pai  à aldeia onde ele se encontrava a dormir. Após o reencontro e uma valente admoestação regressaram a casa.
Ao saber dos acontecimentos, o pai decidiu que o melhor era fazerem a vontade ao filho. Talvez perante as dificuldades do trabalho, ele  desistisse da sua ideia.
Assim, no princípio da  semana seguinte, aquele rapazinho partiu alegremente, com a cabeça cheia de sonhos, a caminho das minas da Panasqueira, juntamente com os homens da sua aldeia.



Obrigada pela sua visita. Volte sempre.

7 comentários:

Luis disse...

Olá Maria de Lourdes,
Era assim a vida no interior do País, difícil e muito trabalhosa!
Isso deu origem à fuga dos jóvens e, não só,em especial para as cidades do litoral criando grandes metrópoles e desertificando o interior. Com o tempo isso trouxe graves problemas ao País. E, no entanto, se se tivessem criado boas condições ninguém teria saído das suas terras e o interior estaria modernizado.
Acontece é que actualmente muitos estão agora fugindo para o interior onde podem encontrar melhores condições e mais tranquilidade do que nas cidades. É o reverso da medalha!
Gostei da história!
Um beijinho amigo
Luís

Joaquim Angelo disse...

D. Lourdes uma historia interessante e que em muitas aldeias do interior existiam muitos casos parecidos como estes,porque da minha aldeia também havia pessoas que trabalhavam nas minhas da Panasqueira e todos os Domingos vinham a terra e no regresso ao trabalho não deixavam de não ir carregados com os alimentos para toda a semana.Estes exemplos hoje em dia fazem falta nos livros escolares...Um bj.

Luantes disse...

Olá Lourdes
em primeiro lugar o desejo da continuação de um bom ano para si e toda a familia
Segundo dizer lhe que adorei esta história de vida que me fez recordar outras histórias identicas passadas em Bogas de Baixo, onde tambem muitos rapazinhos fizeram uma vida identica.
uns ainda cá andam para contar as peripécias, outros infelizmente partiram mais cedo porque a mina transmitia algumas doenças perigosas
mesmo hoje ainda se trabalha nas minas da Panasqueira, mas com condições mais faroráveis felizmente
um abraço

Lourdes disse...

Luís e Joaquim
É verdade que, as Minas da Panasqueira deram trabalho a muitas pessoas, no tempo em que o volfrâmio era rentável. Era um local muito procurado pelos homens das povoações adjacentes.
Sei que alguns morreram com os problemas inerentes ao trabalho nas minas, mas também conheço outros que, talvez porque trabalharam no exterior, ainda cá estão de boa saúde, como é o caso do rapazinho da história.
Beijinhos

Hortense Quaresma disse...

Quem é o rapazinho da história?

PARABÉNS Á LEONOR

Beijinhos Hortense

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Olá minha querida amiga!

Bela história e muito bem contada.
Infelizmente verdadeira para muitos dos jovens de então.
As opções eram limitadas, mas as escolhas nem sempre eram bem tomadas.

Gostei muito, fez-me reviver o passado, o meu de menina da cidade, mas que foi trabalhar aos 16 anos e continuo a estudar à noite, assim como todos os meus irmãos.

Beijinhos
Olá amiga Sónia,

Também acho que sim!
É sempre mais fácil dizer que sim, sim a tudo e a todos.

Beijinhos

* J Pinto disse...

M Lourdes
Dou-lhe nota máxima! É a narrativa perfeita dum drama cultural e social que todos temos na memória. Dava um bom argumento para o cinema! No decorrer da leitura, associei os seus personagens à imagem dalgumas pessoas da minha aldeia que foram protagonistas de episódios semelhantes. Pelo meio, também me ri com aquela história do lobo vencido por um braço destemido que o virou do avesso! É que o meu avô também contava essa história. Nunca mais me tinha lembrado dela!
Um beijo.